
Era mais uma tarde qualquer em que ela saia de casa para a faculdade. Mochila nas costas e aquela pasta A3 cheia de desenhos e pinturas em nanquim. Pensava provavelmente no que poderia pintar se a professora encomendasse mais uma pintura em pontilhismo. E seguia mergulhada naqueles pensamentos de estudante no começo da faculdade. Ela nem via direito o que se passava ao redor (era distraida até demais, a menina) e foi exatamente por isso que se assustou tanto. Mendiga: Ô menina, dá teu batom! Menina: O que?! Mendiga: Teu batom. Esse que tá na tua boca! Eu quero ele agora. Menina: Mas que batom?! Mendiga: Esse aí que cê tá usando... Menina: Mas não é batom. É minha boca. Ela é assim mesmo. Mendiga: Vermelha desse jeito?! Sem batom? Menina (esfregando os lábios): É sim, olha! Minha boca é vermelha mesmo... Mendiga (intercalando olhares surpresos entre a boca e a mão branca da estudante): Valei-me, nossa senhora! Tua boca é bem vermelhinha mesmo. A velha não se conteve e se precipitou para esfregar os lábios da menina com os dedos. Mendiga: Que boca linda você tem! Parabens, viu? Cê faz alguma coisa pra ela ficar assim? Menina (assustadíssima, quase petrificada): Não. Ela é assim desde que eu nasci... Mendiga: Parabéns. Menina: Brigada. E o ônibus chega ao ponto. Por um segundo, a estudante pensou em deixar o ônibus ir: assim ela poderia voltar para casa, lavar a boca com seu sabonete. Mas se o fizesse, ela se atrasaria para a aula. Decidiu subir no ônibus: lavaria a boca ao chegar na faculdade. Sim, aquela era de fato era a opção mais nojenta, entretanto naquele tempo, a menina ainda era empolgada com a possível futura profissão, responsável e pontual. |